quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Leitura sobre a culpa/dívida e responsabilidade em Heráclito.

Heráclito em pintura de Johannes Moreelse

Os limites do Lógos:


•Lógos originário/ lógos humano

Compreender o ser implica um deslocamento do conceito

para se alcançar uma outra compreensão:


Resumo da análise de texto de autoria de Mário Fleig, publicado em Veritas. Porto Alegre. V.43, n.1, mar.1998, p.55-80.


Nas palavras de Heidegger:


"Compreender o ser quer dizer compreender o ‘fundamento’. Com-preender quer dizer aqui ‘ser compreendido no ser pelo ser’. Compreender significa a cada vez aqui mutação de humanidade a partir de sua relação essencial com o ser, mas primeiro que isto, a disponibilidade para esta mutação, mas antes a preparação desta disponibilidade, mas antes, a atenção para esta preparação e antes a incitação a uma tal preparação e antes um primeiro recolhimento no ser.” (GA 51,93);



O Lógos originário: O próprio ser em sua força unificadora.



Poderíamos aqui questionar:


• Em que medida esta relação entre Lógos originário e lógos humano é uma relação dual, isto é, sem objeto? • Neste ponto aparece uma aproximação que parece vir de encontro com a crítica de Adorno sobre a “interioridade” em Kierkegaard, qual seja: na “relação consigo mesmo”, a interioridade é carente de objeto:



• Cito Heidegger e sua significação sobre o pensar a “região” sem objeto do Lógos originário: “A carência de objeto que caracteriza a região é um sinal não de diminuição, mas de superioridade do ser”. • Aqui a questão é justamente demonstrar a diferença entre o ser em relação ao ente. Cito Heidegger: “Aqui domina a diferença originária entre ser e ente.”



• Framento 45 de Heráclito - Tradução de Heidegger : “Ainda que tu percorras todo caminho, não poderás mais encontrar em teu curso os confins extremos da alma; tão vasto pousar/colheita/leitura (recolhimento) ela tem.


• A “região originária” é o Lógos (originário em Heráclito) que marca a enigmática presença/ausência.
• Fragmento 72 de Heráclito - • “Daquilo com que mantêm contínuo contato do Lógos discordam; e as coisas que encontram diariamente parecem-lhe estranhas”.


Conforme a leitura de Heidegger:

“A questão da culpa/dívida e responsabilidade somente aparece dentro desta questão da linguagem, pois o Dasein se lança na sua verdade, na questão do fundamento, e do que lhe é próprio. Reconhecer e agradecer esse “limite” é próprio da dívida do ser/estar em débito/culpado, pois é o momento de ‘receber o dom de ser’.”




Os dois níveis: o sagrado e o dizer poético:

“Estes dois níveis: o sagrado e o dizer poético - recobrem os dois lógos que Heidegger apresenta em sua leitura de Heráclito”:


O primeiro Lógos, que se escreve com maiúscula, é o silencio prévio a toda a palavra”, ou seja, é colheita/coleta, a unidade que precede todo o dizer." Aqui, o limite da razão.


O segundo lógos, escrito com minúscula é o lógos humano em que o poeta é esse semideus que faz a mediação, sempre correndo o risco de se perder nesse dizer que resulta da própria mediação.
Em outras palavras, Heidegger está afirmando que mediante o recolhimento do ser, o Lógos originário é esse não dizível, o sagrado, possível de ser dito no dizer (mediado) do poeta.



Segundo Mário Fleig:
“Aqui se enraíza da censura/fenda/rasgadura (Riss) e a clivagem/discórdia: o homem essencialmente dividido, não por uma clivagem do eu, mas pela diferença que atravessa seu ser.”


•Fragmento 119: Ethos antropo daimon.

Tradução de Heidegger:




• “A habitação (familiar) é para o homem o aberto para a presentificação do Deus (o não-familiar). (GA 9,356).


Nas palavras de Fleig:


Se a habitação e o habitar é o nome adequado para aquilo que Heráclito nomeia como Ethos, então a ética, que abarca o drama humano da culpa/dívida e responsabilidade, somente pode encontrar seu fundamento mais próprio não no próprio homem, mas naquilo que o ultrapassa desde sempre e o endereça para alhures: a interrogação pela verdade do ser enquanto acontecimento/apropriação. E nesse caminho cada um está sempre em preparação, e devemos nos precaver, como nos alerta Heráclito, contra a Hybris (fragmento 43), a desmedida de tudo querer saber e de tudo poder (GA 39,66), própria do sujeito moderno, ávido de domínio, mas que acaba apenas recolhendo a palha em vez de saudar e agradecer ao ouro que lhe se escapa das mãos.


Referências:




Culpa e responsabilidade em Heráclito segundo a leitura heideggeriana (Mário Fleig – Texto publicado em Veritas. Porto Alegre. V.43, n.1, mar.1998, p.55-80)

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