terça-feira, 24 de setembro de 2013

Nuances





Felizmente chegou a primavera, mas a temperatura ainda insiste em permanecer “gelada” aqui no Sul. Sobre o telhado da varanda observo a chuva mansa, melodia doce e intensa, que nos últimos dias não cessa de se fazer notar. Presença. Hoje uma inquietação que não ocorre apenas com o frio destes dias mais cinzentos. Há ainda uma ausência mesma e sempre que não se deixa pronunciar. Nuances. Preciso brotar - como as flores da nova estação - dizer-te algo e quem sabe assim também dizer-me. Renascer talvez como todo novo ciclo e a cada instante. Na adega escolho um vinho especialmente reservado para os dias não muito amenos. Sirvo uma taça, observo sua cor, sinto os aromas e finalmente experimento o seu sabor revigorante e encorpado. Reflito agora sobre a vida e tudo o que permanece, além dos pequenos gestos e devaneios tantos que nem sempre nos tornam dignos de sermos considerados pessoas. Será apenas superfície? Súbito receio e esse tremor que mobiliza por que em certo sentido é em minhas entranhas que sinto. Saudades e até mesmo uma nostalgia do que não vivi é quem sabe o reflexo desse meu apaixonado desejo de dizer-te além. Outra vez pulsar um pouco mais do que sou capaz, talvez por esse meu anseio sempre pronto a espreitar a outra face - contínua e mesma - que também somos. Silêncio. Somente aí escuto os teus murmúrios e redescubro na vida esse algo ainda plausível em nós. E sinto os sinais a sondar este eu que ainda não é - plenitude - minha vida.  Escolho agora essa verdade e creio - apesar das indizíveis sombras com suas nuances nem sempre visíveis - pois sendo minha, ela é antes o meu possível. Resiliência afinal, como a primavera que novamente se mostra - aqui e no tempo - com as suas flores e revigorada urgência de futuro. E somente aqui, no aconchego da habitação, nos encontramos e vivemos todos: tu, eu mesma e o nosso inacabado esforço infinito. 
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“A ironia, como um momento dominado, mostra-se em sua verdade justamente nisso:  que ela ensina a realizar a realidade, a colocar a ênfase adequada na realidade. Daqui não se segue, de jeito nenhum, a conclusão bem saintsimoniana de que se deva idolatrar a realidade, ou negar que há em cada homem, ou deveria haver, uma nostalgia por algo mais alto e mais perfeito. Mas esta nostalgia não pode esvaziar a realidade, muito pelo contrário, o conteúdo da vida tem de ser um verdadeiro e significativo momento numa realidade mais alta, cuja plenitude atrai a alma.” (Sören Kierkegaard, in: O Conceito de Ironia constantemente referido a Sócrates)

“Si nous voulons guérir le désespoir qu’est l’effet du blasement, nous devons nous simplifier et reprendre confiance dans la spontaneité du coeur.” (Jankélévitch, L’Ironie)


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Nostalgia

A outra face de mim quer o gozo nostálgico, 
desejo, 
de um tempo vivido, 
imaginado e esquecido, 
volatilizado 
desejo...
Indicação constante das alegrias supremas, 
aparentemente plenas,
o traço.
Nas dores indizíveis, 
necessárias perdas, 
o campo: 
desejo.
Horizonte agora é recompensa, 
o ganho: 
desejo, 
alhures endereçado.

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“O horizonte, a esfera do que é constante e envolve o homem, não é nenhuma parede que o cerca. Ao contrário, o horizonte aponta como tal para o que não foi fixado, para o que vem-a-ser e para o que pode vir a ser, para o possível.” (HEIDEGGER, p.446- Nietzsche)



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Impressões...



Um ano se passou e alguns poucos meses mais desde a tua partida para o sono infinito. Extremamente claro e tão palpável como alguns dos momentos tantos que vivenciamos juntas, esta noite sonhei contigo. Tu, agora, acordavas. Ainda sonolenta sorriste para o meu sonho. Não era um sorriso de contentamento, não; muito antes um sorriso doce e simples, ainda um tanto entorpecido. Tuas primeiras palavras: “não estou lembrada de nada”. Nada? (pensei) de que “nada” ela quer me falar? Quis perguntar, mas não esbocei palavra. Tu sorriste e assim permanecemos, por mais um instante, apenas nos olhando. Sorri para o teu dizer, retribuindo com afeto, o teu doce sorriso. Procurei, num gesto rápido, te colocar numa posição mais confortável na tentativa de encontrar, talvez, aquele teu jeito “com o braço sob a cabeça” como costumavas dormir. Mas havia ainda os teus lábios (tão secos agora) sedentos e urgentes, tão breves e efêmeros tal como todos somos. Água para beber, um sopro. Presença, escolhas tantas, um salto. Apenas alguns goles (pensei) para saciar a tua sede. Serena, agora, como convém aos mortais ou quem sabe ainda somente alhures, novamente sorriste para o meu sonho e voltaste a dormir o teu sono infinito... 


Esta noite sonhei contigo...  

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O silêncio é a intimidade.

"O que é tagarelar [conversar fiado]? É a abolição da distinção apaixonada entre o calar e o falar. Só quem é essencialmente capaz de calar é capaz de falar essencialmente; só quem é essencialmente capaz de calar, é capaz de agir de modo essencial. O silêncio é a intimidade.”

(Sören Kierkegaard)

E nesse silêncio, intimidade essencial...