quarta-feira, 27 de abril de 2011

Felicidade: ontem/hoje



Freqüentemente assistimos nos meios de comunicação alguns debates que refletem sobre as condições de vida hoje e ontem, quero dizer, a questão que se coloca é: somos mais felizes hoje do que no passado? Ora, em tempos de “desencantamento do mundo” nada pode ser mais saudosista do que pressupor que no passado a vida oferecia, mesmo sem tantos recursos, maiores possibilidades de felicidade. No entanto, o que vemos é que nem mesmo a evolução tecnológica é capaz de produzir algo que faça laço com a idéia da sonhada felicidade. Sob este aspecto há aí, me parece, uma espécie de consenso cuja lógica muitas vezes não conseguimos decifrar, pois parece mesmo invertida. Mas a pergunta que não quer calar é precisamente essa: Porque mesmo rodeados de tantas “possibilidades” ainda assim desencantamos do mundo? Particularmente acredito que o mundo não se tornou pior nem melhor, pois entendo que depende sempre do modo como “vemos” as coisas que “olhamos” e o quê, a partir disso, fazemos com o que está aí posto. Isso me faz lembrar uma reflexão no contexto do século XIX quando Kierkegaard, ao alegar que “o mundo não se tornou melhor; ele apenas se tornou menos apaixonado e mais mesquinho,” parece apontar para um excelente diagnóstico de psicologia para os tempos mais recentes.


REFERÊNCIA:
KIERKEGAARD, Sören Aabye. . Do desespero silencioso ao elogio do amor desinteressado: aforismos, Novelas e Discursos de Sören Kierkegaard. Organizador, tradutor e apresentador: Álvaro Luiz Montenegro Valls. Porto Alegre: Escritos, 2004.

sábado, 23 de abril de 2011

Desesperadamente querer ser si mesmo.


Para aquele que ainda não decide por si mesmo, ou seja, deseja muito tornar-se um indivíduo de fato, mas não sabe exatamente como responsabilizar-se por isso, Kierkegaard provavelmente diria com sua fina ironia:



Casa-te, tu vais te arrepender; não te cases, tu também vais te arrepender; casando ou não casando, em ambos os casos tu te arrependerás. Ri sobre a loucura do mundo, tu vais te arrepender; chora sobre a loucura do mundo, também vais te arrepender; rindo ou chorando sobre a loucura do mundo, em ambos os casos vais te arrepender; quer tu rias da loucura do mundo, quer chores por causa dela, em ambos os casos te arrependerás. Confia numa jovem, tu vais te arrepender; não confia nela, também vais te arrepender; confiando ou não confiando numa jovem, em ambos os casos te arrependerás; quer tu confies numa jovem, quer não confies nela, em ambos os casos te arrependerás. Enforca-te, tu vais te arrepender; não te enforques, também vais te arrepender; enforcando-te ou não te enforcando vais te arrepender; quer tu te enforques ou não te enforques, em ambos os casos te arrependerás. Esta, meus senhores, é a quinta-essência de toda a sabedoria.(KIERKEGAARD)



Para o pensador da Dinamarca, o melancólico não vê sentido algum para sua vida que se tornou azeda e por isso mesmo ele já não consegue escolher.


REFERÊNCIA:
KIERKEGAARD, Sören Aabye. . Do desespero silencioso ao elogio do amor desinteressado: aforismos, Novelas e Discursos de Sören Kierkegaard. Organizador, tradutor e apresentador: Álvaro Luiz Montenegro Valls. Porto Alegre: Escritos, 2004.

sábado, 16 de abril de 2011

Desejo inominável

Escrevo na ânsia mesma de desvendar esse inominável que há em mim, mas o que se passa é que tanto mais escrevo, mais aumenta o desassossego. Acaso haverá um nome para essa intrigante inspiração? Interioridade minha que se oculta e parece encobrir o que não dou conta de pronunciar. Há nessa busca uma espécie de anseio pelo encontro; mas encontro onde? Daquilo que sou capaz de revelar, como fumaça, parece logo desvanecer, pois do mesmo modo que se deixa ver, logo encontra outro abrigo. Inspiração: será sempre essa espécie de renascimento, criação e reinvenção? Afinal, escrevo para ocultar ou desvelar quem sou? Eis a vida enquanto arte!



"ne cède pas sur ton désir."



quinta-feira, 14 de abril de 2011

Desejo III

O que seria desse que nos move, desejo, se não estivesse sempre à luz de um horizonte? Sem ele, nos tornamos petrificados, imóveis. O desejo mobiliza, é paixão que nos retira da inércia e é precisamente isso que faz o existir valer à pena.

sábado, 9 de abril de 2011

Tragédias contemporâneas: (im)possibilidade de purgação?

Quando as tragédias nos chegam da natureza costumamos afirmar que são catástrofes; o que dizer, então, quando essas tragédias mesmas são provocadas por nós "seres humanos”? Além do significado das palavras massacre, chacina e matança, quais significantes elas nos suscitam?


No teatro grego tínhamos na representação trágica o sentido de instaurar algo. Aristóteles na Poética afirmava que “a tragédia é a imitação de uma ação séria e concluída em si mesma... que, mediante uma série de casos que suscitam piedade e terror, tem por efeito aliviar e purificar a alma de tais paixões.” Sabemos que a paixão (do grego pathos) quando exacerbada, é o que hoje conhecemos por patologia. Temos aqui a significação do que seja, para Aristóteles, a catarse (do grego) palavra utilizada em diversos contextos como na tragédia, posteriormente na medicina e psicanálise, que significa "purificação", "evacuação" ou "purgação." Segundo o filósofo, para suscitar a catarse era preciso que o herói passasse da dita para a desdita, ou seja, da graça para a desgraça. E isso não poderia ser por acaso, e sim por uma desmedida, ou seja, por uma ação ou escolha mal feita do herói. Para o filósofo grego, portanto, se um homem bom passa da má para a boa fortuna, nós não sentiremos terror; se um homem bom passa da boa para a má fortuna, nós ficamos com pena, e não sentimos compaixão nem terror; se um homem mau passar da boa para a má fortuna, nós ficamos felizes da vida; e se um homem mau passar da má para a boa fortuna, nós sentimos repugnância.


Neste ponto, meus leitores podem estar questionando: mas afinal, o que Aristóteles teria a nos dizer ainda hoje? Meu desejo é salientar que em nossos dias o massacre, a chacina e a matança são palavras que parecem apenas informar um dado estatístico. Parece que banalizamos não apenas o seu significado literal, mas ignoramos suas implicações significantes. Os noticiários nos chegam como avalanches e, aturdidos, já não damos conta de decifrar essa lógica que de tão cotidiana não mais parece invertida. Compreender o que se passa, me parece, está além da perversão e beira a psicopatia: motoristas que lançam seus carros contra ciclistas, jovens que invadem escolas e disparam tiros contra crianças... crianças alvejadas em suas cabeças! Sinto náusea desse modelo estatístico que mostra do mesmo modo que oculta, pois acaba banalizando o perverso enquanto sintoma. Se ontem as tragédias suscitavam, como acreditava Aristóteles, a catarse da alma como forma de expurgo contra essas paixões, hoje a ausência de um referente Outro que faça laço com a ideia de modelo, enquanto exemplo a ser seguido, joga o indivíduo em uma espécie de constante ameaça. Nos indivíduos movidos pela “certeza”, o que se passa é precisamente isso, quero dizer, o desejo é o próprio sintoma: eliminar a ameaça que é o outro.


De sorte que temos, ainda hoje, autênticos heróis que, a exemplo desta última quinta-feira, ficou evidente na pessoa do sargento Alves que deu fim ao trágico naquela escola do Rio. A ação de Alves remonta o pressuposto de que herói é aquele indivíduo que coloca em risco a própria vida em favor do outro, do bem comum. Diferente, portanto, do fetiche por ídolos em que o herói aparece nas figuras artísticas (cantores, atletas). E por mais que a realidade nos mostre que a figura do herói (a exemplo desse sargento) parece escassear, exemplos como esse suscitam em nós a esperança na cria humana, a crença de que a humanidade ainda tem e faz sentido. E essa mescla que sentimos entre a repugnância do ato criminoso e o regozijo na eliminação da causa, parece remontar o pressuposto aristotélico de que o trágico pode mesmo provocar em nós a purgação do mal em prol do bem comum. Eis aí um belo antídoto contra a possibilidade de desencantamento do mundo.





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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Derrida: "What Comes Before The Question?"

De acordo com as formulações de Heidegger sobre a questão do "ser", Derridá argumenta, a partir de suas próprias reformulações, sobre a pergunta inaugural da filosofia, qual seja: o que é o ser?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Pragmatismo é também reducionismo.






Já no séc. XIX, Kierkegaard, em As obras do amor, afirmava (ironicamente) que sério é ganhar dinheiro, mesmo que seja vendendo seres humanos como escravos.


Parece que mudamos o contexto histórico, mas em nossos dias “ganhar dinheiro” enquanto sinônimo de felicidade, continua sendo ainda levado muito a sério.

Só que essa “pragmática seriedade” vemos hoje, por exemplo, no trabalho escravo infantil, no olhar totalitário e absoluto de alguns "supostos empresários" que a exemplo nos moldes do panoptismo, (modelo de vigilância e punição adotado nos campos de concentração nazistas) parecem ainda viver no século passado. Contudo, lamentavelmente, a sujeição dos indivíduos em virtude da necessidade, na maioria dos casos, parece ainda predominar.


Ora, sabemos que sem “moeda” não vamos muito longe e um “emprego” pode nos dar a possibilidade de uma vida digna. É possível, mas nem sempre ocorre de modo necessário. O emprego é necessário, mas a dignidade, (por vezes tolhida por alguns tipos ainda totalitários e completamente amoldados ao sistema capitalista) nem sempre é possível. Sob este aspecto não resta dúvidas de que o dinheiro é o movente do mundo. Impressiona, porém, o fato de que ainda muitos, com vistas à “felicidade”, são “movidos” por ele. Daí uma questão que me acossa: quem de fato está no comando? O sujeito ou o objeto? Aqui há ausência de sujeito, me parece, meramente sujeitado pelo objeto. De fato parece que evoluímos muito em termos de tecnologias, mas continuamos no espírito do mecanicismo que na modernidade via na metáfora dos relógios, por exemplo, a possibilidade de uma explicação reducionista, inclusive sobre a totalidade do homem. Aqui o pressuposto é de que o todo é igual a soma das partes. Parece que continuamos na crença das “certezas” predominante no positivismo, que supõe a passagem de uma “incerteza objetiva” (idéia de incompletude) para a “certeza objetiva” (idéia de completude).


Onde estão os sujeitos de nosso tempo?


Movidos pela “certeza”, me parece, pois o pragmatismo parece seguir esse pressuposto mesmo que tendo em vista o lado prático, torna-se reducionista, pois supõe também no sujeito que a soma das partes é igual ao todo. Nesse sentido, já que a verdade é individual e relativa, tomada por base no que se está vivendo ou necessitando no momento, então o que possa ser de interesse de um indivíduo pragmatista pode passar a ser destrutivo ou prejudicial a outrem que é atingido por sua decisão unilateral.


Eis aí um dos impasses do nosso tempo.

Na palavra o reverso do olhar

Na palavra, daquilo que é possível pronunciar, sempre há o que subjaz nas entrelinhas. Por vezes, o que é dito mostra apenas o reflexo de uma profunda solidão e melancolia, outras vezes emerge o seu contrário: uma alegria exacerbada. Isso que aparentemente se mostra é possível, mas talvez não seja apenas isto.

Nas diversas formas de expressão da vida enquanto arte, podemos pensar que a constância do riso, aquela alegria visível pode até ser mesmo alegria, mas pode ser também que seja apenas máscara. Já a tristeza aparente, o dizer poético, aquele distanciamento do olhar pode ser mesmo tristeza, mas pode ser do mesmo modo solitude. O olhar sobre si enquanto reflexibilidade, aos olhos dos demais pode parecer melancolia, mas pode ainda que seja riso.

alhures

Quando penso compreender isso o que penso, logo corro e escrevo na ânsia mesma de dizer além, mas o que digo é sempre um traço desse encontro alhures.