sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Kierkegaard e Nietzsche: pontos e contra-pontos


No decorrer de minhas pesquisas sobre a obra do filósofo dinamarquês, tive a oportunidade de participar de um projeto que buscava aproximar, ou “aplainar os caminhos entre Kierkegaard e Nietzsche”. Não tenho dúvidas de que o século XIX foi extremamente rico em termos filosóficos e literários, tanto que parece impossível mergulhar nas obras de Dostoievski, ou Richard Wagner, só para citar dois exemplos, sem encontrar, nas entrelinhas, os protestos de Nietzsche, alguns pressupostos de Feuerbach, Shopenhauer, como também as críticas e ironias de Kierkegaard. Sob este aspecto poderíamos pensar muitos pontos de aproximação, bem como os motivos divergentes que os separam. Contudo, minha expectativa aqui é trazer uma significativa aproximação que me parece possível entre Kierkegaard (críticas à cristandade) e Nietzsche (críticas ao cristianismo).
Neste ponto meus leitores podem estar questionando: mas o que isso tem a ver com a atualidade? O que eles podem ainda dizer que traga algum sentido para mim? Em ambos, as abordagens são enfatizadas nas orígens castradoras da possibilidade de liberdade individual e que, por sua vez, não está dissociada da idéia da responsabilização de si. Portanto, eles podem nos mostrar algumas possibilidades de individuação que não ocorre sem que haja determinados enfrentamentos. Aqui, cada um tem a possibilidade de tornar-se um herói diante da construção artística que é a existência.

No Conceito de Angústia, Kierkegaard aponta para o lado positivo que há na angústia quando da constituição do indivíduo. Vale lembrar que a estória dos irmãos Grimm, que é mencionada por Kierkegaard, conta precisamente sobre esse jovem que saiu pelo mundo para descobrir o que é o medo. Deixemos a palavra para Kierkegaard:

Temos num dos contos de Grimm uma narrativa sobre um moço que saiu a aventurar-se pelo mundo para aprender a angustiar-se. Queremos deixar esse aventureiro seguir o seu caminho, sem nos preocuparmos se encontrou ou não algo horroroso. Em contrapartida, quero afirmar que esta é uma aventura pela qual todos têm que passar, a de aprender a angustiar-se, para que não se venham a perder, ou por jamais terem estado angustiados ou por afundarem na angústia; por isso, aquele que aprendeu a angustiar-se corretamente, aprendeu o supremo saber. (Kierkegaard, O conceito de angústia)

Vejamos agora, nas palavras de Nietzsche (após o rompimento de amizade com Wagner) o que ele diz sobre a possibilidade de liberdade individual, em A Gaia Ciência:

Também nós devemos crescer e medrar a partir de nós mesmos, livres e sem medo, em inocente amor de si! [...] A paixão é melhor que o estoicismo e a hipocrisia, ser honesto, ainda que no mal, é melhor do que perder a si mesmo na moralidade da tradição; o homem livre pode resultar bom ou mau, mas o homem não livre é uma vergonha da natureza e não participa de nenhum consolo, celeste ou terrestre; e, por fim, todo aquele que deseja tornar-se livre tem de fazê-lo por si próprio, e a liberdade não sucede a ninguém como uma dádiva milagrosa.


Podemos pensar que em ambos, a angústia emerge como um remédio para a liberdade. E apesar do fato de que todos nós tenhamos que enfrentá-la em determinada circunstância da vida, a angústia é, contudo, um percurso que somente poderá ter êxito quando aprendermos a tremer diante do possível. Ora, se a angústia emerge precisamente diante daquilo que ainda não aconteceu, então ela é, como afirmava Kierkegaard, a possibilidade da possibilidade de liberdade.
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Um comentário:

  1. Sendo da angustia o nascimento da vontade de conhecimento e liberdade nada mais correto do que te-la em pequenas doses. Abraços!

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