sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Desencantamento do mundo: Algumas ponderações

Em que sentido o desencantamento do mundo se revela, contraditoriamente, pela necessidade de auto-afirmação? Nesse sentido, em que medida é possível associar a idéia de que a fuga de si transfigura o olhar para um desejo perverso?

Estas questões tornam-se instigantes quando, por exemplo, ao observar determinadas programações televisivas a idéia de consenso parece preponderar sobre o irrefletido.
Aqui gostaria de mencionar, só para citar dois exemplos, as novelas do horário nobre, como também os “famosos” reality shows. Em ambos, vemos que prevalece a idéia, "verdade", de que o amor é mesmo algo que não se dá sem o uso desmedido do outro. A certeza de que o amor pode ser objetivado faz dele nada mais do que apenas o resultado de trocas recíprocas. A questão que insistentemente me provoca está precisamente neste ponto, quero dizer, contraditoriamente a idéia de consenso parece prevalecer. Contraditoriamente? Por quê?
Talvez por que pensar sobre si mesmo com real honestidade é algo que requer coragem para retomadas muitas. Mas vejam! O que se passa é que não somos educados para pensar sobre nós mesmos em relação com o mundo e sim treinados para submeter o mundo a nós próprios. Nessa perspectiva parece fácil perceber que em culturas em que o egoísmo prevalece a irreflexão impera. Quais as conseqüências? Bem, parece que vivemos um período continuado de desencantamento, pois o que se passa é que mesmo rodeadas pela tecnologia as pessoas estão solitárias demais, vazias demais. Sob este aspecto, já no século XIX Nietzsche foi perspicaz em sua ironia sobre os “últimos homens”, quando no Zaratustra critica a “finalidade prática” que destitui a possibilidade de indivíduos livres. Diz Nietzsche:

Que é amor? Que é criação? Que é nostalgia? Que é estrela? – Assim pergunta o último homem e pisca os olhos. A terra se tornou pequena então, e sobre ela saltita o último homem, que torna tudo pequeno. Sua estirpe é indestrutível como a pulga. O último homem é o que mais tempo vive. ‘Nós inventamos a felicidade’ – dizem os últimos homens, e piscam os olhos. Abandonaram as regiões onde é duro viver, pois a gente precisa de calor. A gente, inclusive, ama o vizinho e se esfrega nele, pois a gente precisa de calor. Adoecer e desconfiar, eles consideram perigoso: a gente caminha com cuidado. Louco é quem continua tropeçando com pedras e com homens! Um pouco de veneno, de vez em quando, isso produz sonhos agradáveis. E muito veneno, por fim, para ter uma morte agradável. A gente continua trabalhando, pois o trabalho é um entretenimento. Mas evitamos que o entretenimento canse. Já não nos tornamos nem pobres, nem ricos: as duas coisas são demasiado molestas. Quem ainda quer governar? Quem ainda quer obedecer? Ambas as coisas são demasiado molestas... Nenhum pastor e um só rebanho! Todos querem o mesmo, todos são iguais: quem sente de outra maneira segue voluntariamente para o hospício... (...) Temos nosso prazerzinho para o dia e nosso prazerzinho para a noite, mas prezamos a saúde. ‘Nós inventamos a felicidade’, dizem os últimos homens e piscam o olho’ (NIETZSHE, in GIACÓIA JR, 1999).

Esse irrefletido (fruto de nossa cultura) parece intimamente ligado ao egoísmo e segue daí o predomínio do senso comum, a massa, o “rebanho”. Talvez por isso a necessidade de auto-afirmação, pois é preciso afirmar algo positivo precisamente sobre isso que não damos conta, o eu-mesmo. Aqui, a idéia de igualdade e liberdade são vistas pelo assentimento de que a felicidade está no modo objetivo e prático. O que vemos? A individuação não se manifesta, pois não mais pensamos. Seguimos apenas... inventando qualidades, prêmios e glórias para nós mesmos. Assim nos presenteamos com o prazer temporário como uma espécie de consolo.

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