segunda-feira, 19 de abril de 2010

Albert Camus - O Mito de Sísifo/Dostoiévski - Os Demônios

Minha proposta é que possamos refletir um pouco sobre a literatura nos contextos entre os séculos XIX e XX. Dois autores de peso, acredito, podem ilustrar bem as questões que proponho, são eles: Fiódor Dostoiévski e Albert Camus. Uma das questões que pretendo abordar refere-se ao desencantamento do mundo enquanto possibilidade ou não de suicídio. Nesse sentido, versaremos um pouco sobre a idéia de destino e sua relação com a possibilidade de liberdade.
De um lado, temos Dostoiévski que no séc. XIX questiona, em seus personagens, a existência ou não de Deus. De outro lado, no contexto do séc XX, Albert Camus que diante da "morte de Deus" questiona sobre o absurdo da existência.
Sendo assim, será em "Os Demônios" que Dostoiévski trará o personagem Kiríllov em constante confronto entre razão e fé. Cabe citar um momento extremamente significativo em que Kiríllov enuncia a contradição entre a fé, ao afirmar: "Deus é necessário, por isso deve existir", e a razão, pois diante das barbáries no mundo, constata: "mas eu sei que ele não existe nem pode existir."
Sabemos que na trama Kiríllov se suicida. E por que ele se suicida? Precisamente pelo fato de que a simples idéia da impossibilidade de transcendência, torna-se insuportável. O desamparo de uma razão que não dá conta de si é posta aqui em evidência.
Já no contexto do séc. XX, Albert Camus traz o Mito de Sísifo para ilustrar a solidão do homem diante do absurdo. Deus enquanto o referente Outro está morto e nesse sentido tudo é permitido. A questão que se coloca na trama é: a vida tem um sentido suficiente para que não nos matemos?
Sabemos que Sísifo, negando os deuses e a morte, é condenado a carregar uma pedra montanha acima por toda a eternidade. Toda a vez que ele atinge o cume, a pedra rola montanha abaixo. Sísifo precisa retornar. O sentido passa a ser precisamente o "sentimento de absurdo" frente a existência. Para Camus o absurdo é um "mal do espírito."
Como nos é dado perceber, Camus retrata o tempo do tédio, o desespero do "sem sentido". Contudo, por mais contraditório que possa parecer, é precisamente a consciência de que não há sentido que faz emergir um "novo sentido." Eis a razão pela qual Sísifo não comete o suicídio. É preciso responsabilizar-se por si, mas é também necessário dar conta de si. Sísifo está só, preso a sua certeza.
Questões para refletirmos:
Podemos perfeitamente pressupor que no séc. XIX o sagrado, enquanto um referente terceiro, não estava no indivíduo. Dito de outro modo, há ainda o Outrem enquanto referente responsável pela instauração da lei no campo simbólico do indivíduo. Hoje, o sagrado está em nós, ou seja, somos o próprio fundamento. Percebemos aqui a dimensão da ameaça que cai sobre os indivíduos. As relações se tornaram duais, isto é, ou eu ou ele.Com isso, surgem as estratégias para se garantir (ameaças) a qualquer preço. Sob estes aspectos será que é possível pressupor condições de estabelecermos relações com o outro sem que se torne uma relação de disputa?
Em nossos dias, nem mesmo a idéia da globalização ou os sistemas de rede, somente para citar dois exemplos, são capazes de nos libertar da solidão. Parece que nunca estivemos tão próximos uns dos outros e no entanto, tão solitários.
Será esse o desencantameno do mundo pelo qual Camus se refere? O tédio como uma espécie de desdobramento, redução de tudo a uma única dimensão, um único olhar? Qual a relação que podemos estabelecer com uma espécie de expansão da condição humana pensada na pura horizontalidade? Em que medida prevalece, nas relações, a idéia da paridade em detrimento da disparidade? É possível pressupor a ausência do outrem enquanto referência simbólica?
Em tempos de desresponsabilização qual a conotação que atribuímos para a palavra liberdade? Somos livres e nos responsabilizamos pelas próprias escolhas ou tudo é necessário(ideia de destino)?
Ora, o cotidiano nos mostra que nunca fomos tão livres e, no entanto, pouco libertos, pois a idéia da horizontalidade pressupõe que haja um consenso, uma simetria. Daí a impessoalização e a desresponsabilização enquanto forma de discurso. Nesse sentido Camus foi perspicaz, pois é nas entrelinhas do dito que o "mal do espírito" pode vir a ser... Eis o "espírito do nosso tempo!"

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