quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

AMBIGUIDADE II


Um paradoxo para o campo do nosso próprio desejo é também o "outro", ou seja, o "primeiro tu" que nos interpela com seu próprio incomensurável. A existência enquanto um horizonte de plenitude é sempre um horizonte, pois a "justa adequação", a plenitude mesma, não a alcançamos. Eis aí uma possibilidade de sentido para a existência: a consciência de que a cria humana, em sua constituição, está condicionada a um vazio, uma falta que não cessa de se inscever. Contudo, é precisamente esse vazio que nos move em direção ao outro, ao futuro, e é também ele, que nos mantém no campo do possível. A busca enquanto horizonte de sentido.

No dizer poético de Fernando Pessoa: “Sou eu mesmo o trocado” e em “O Quereres”, de Caetano Veloso, Maria Bethania interpreta um "traço" do que pode ser dito frente ao que nos escapa:


O Quereres (Caetano Veloso)

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão.Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não. E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão. E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão. Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico,burguês. Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco, garanhão. E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão. Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês. Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor. Onde queres o ato eu sou o espírito e onde queres ternura eu sou tesão. Onde queres o livre decassílabo e onde buscas o anjo eu sou mulher. Onde queres prazer sou o que dói e onde queres tortura, mansidão. Onde queres o lar, revolução e onde queres bandido eu sou o herói. Eu queria querer-te e amar o amor, construírmos dulcíssima prisão. E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor. Mas a vida é real e de viés e vê só que cilada o amor me armou. E te quero e não queres como sou, não te quero e não queres como és. Onde queres comício, flipper vídeo e onde queres romance, rock'nroll. Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inceticídeo. E onde queres mistério eu sou a luz. Onde queres um canto, o mundo inteiro. Onde queres quaresma, fevereiro e onde queres coqueiro eu sou obus. O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual, faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim. Infinitivamente pessoal e eu querendo querer-te sem ter fim. E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim





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