sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Metamorfose de Narciso


Recentemente dialogando com um dependente químico em tratamento, escutei que em determinadas “palestras motivacionais” que visam a reabilitação destes sujeitos, há um discurso que, não sem assombro, tenho escutado com certa frequência. A ausência de espanto se dá pelo fato de que já é possível encontrá-los (argumentos mesmos) nos refrões da nossa “música popular”, que a esse exemplo diz:


Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu... agora é assim
Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu... vou cuidar de mim
Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu... agora é assim
Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu... vou cuidar de mim

A "vantagem aparente" é que essa persuasão automatizada parece exercer dupla função: além de "motivar" e colocar o sujeito “novamente na certeza” há ainda a possibilidade de apreender uma nova conjugação verbal, pois diz e faz dizer:
1ª pessoa: EU
2ª pessoa: EU
3ª pessoa: EU
Aqui o que se passa é que o “tu” e o “você” são logo excluídos. O que dizer então do deslembrado OUTREM?
Há neste dizer, me parece, o pressuposto de que se exerce uma “reflexão sobre si”, quando a ambigüidade consiste precisamente no fato de que é na “irreflexão sobre si” que o egoísmo prevalece.
Ora, se na reconstrução de novos significados o sujeito não encontra significantes que façam laço com o outrem: campo dos afetos, como pressupor que ali se instaure a possibilidade de relações senão exclusivamente duais?

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