terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eterno Retorno




2"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?" (NIETZSCHE, A Gaia Ciência)


Para muitos, insensatez e ambiguidade é o que sugere a idéia do "eterno retorno" de Nietzsche, cuja síntese pode ser encontrada na "Gaia Ciência." No entanto, quando nos detemos com maior atenção nas proposições "quase poéticas", me parece, encontramos uma grande e única indagação: Amo a vida a tal ponto de querer vivê-la infinitas vezes? Amo a vida e não desejo alteração alguma, isto é, mesmo com todo o prazer e dor, com toda a sua grandeza e pequenez?
Para Nietzsche, a resposta que damos a nós mesmos para esta questão, aponta o tanto de liberdade e de responsabilidade que atribuimos não apenas aquilo que nos é dado como um "destino", mas sobretudo às nossas próprias escolhas. Sim, pois se de um lado sabemos que determinadas coisas são necessárias, de outro, é precisamente o fator contingente que nos permite escolher. Eis o "possível". Nesse sentido Nietzsche é fascinante, pois seus escritos não produzem fórmulas, eles simplesmente apontam para nós mesmos.
Sob este aspecto, me parece, há aqui uma aproximação com o pensamento de Sören Kierkegaard, pois se a idéia do eterno retorno é para Nietzsche o mais pesado dos pesos, para Kierkegard, por sua vez, a "possibilidade" é a mais pesada de todas das categorias. E o que é a idéia do eterno retorno senão uma possibilidade???
Vejamos o que nos diria, com seu quê de ironia, Kierkegaard:
Aquele que é formado pela angústia é formado pela possibilidade e só quem for formado pela possibilidade estará formado segundo sua infinitude. A possibilidade é, por conseguinte, a mais pesada de todas as categorias. É certo que se ouve com frequência o contrário: que a possibilidade é tão leve, a realidade, porém, tão pesada. (Kierkegaard, O conceito de angústia, 2010)

Nenhum comentário:

Postar um comentário