segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O melhor presente

O melhor presente que podemos receber é e sempre será uma questão singular, pois, neste caso, cada pessoa tem em mente exatamente aquilo que parece transbordar o próprio coração quando pensa sobre... 
Para mim, junto dessa inquietação que também me move, o melhor presente é a possibilidade de ler algo que desacomoda as expectativas da certeza. É como que diante de um espelho, olhando agora os próprios olhos, ver refletido o que de uma maneira ou de outra sempre se rejeita. Em cada parágrafo e nas páginas que se sucedem, como que frente a frente com aquela inevitável “antipatia simpática e simpática antipatia”, que é também [...] “insinuante, com essa doce ansiedade.”(SK), com esse desassossego, que somente acorda justamente porque aponta para o possível que há em cada um de nós.
Imagine agora a dupla possibilidade de contentamento diante de um livro, quero dizer, não apenas no assombro de tudo aquilo que se pode ver enquanto lê - pois a escolha dos óculos, neste caso, diz sempre muito sobre o que se olha e vê - mas também pelo esmiuçar dos significados e sentido do que está sendo dito em outro idioma. 
É por isso que “gratidão” é hoje a melhor palavra. Participar de uma das revisões durante a tradução de um livro assim “terrivelmente provocador” é algo que não se consegue fazer sem paixão. Há também enTUsiasmo, pois ali tanto o assombro - naquilo que desperta enquanto desinquieta - quanto o constante interesse pelo desafio da “auto-observação”.
É que uma vez despertado o interesse e também como diz o próprio dinamarquês: “ser um pensador jamais deveria significar ser diferente quanto ao ser um ser humano.” (SK)

Je te remercie, mon Cher, très cher Alvaro, parce que sans toi, 
ne serait pas possible!

(Tradução da obra de Sören Kierkegaard, Pós-Escrito às Migalhas Filosóficas – Vol. II, por Alvaro Valls)


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Nuances





Felizmente chegou a primavera, mas a temperatura ainda insiste em permanecer “gelada” aqui no Sul. Sobre o telhado da varanda observo a chuva mansa, melodia doce e intensa, que nos últimos dias não cessa de se fazer notar. Presença. Hoje uma inquietação que não ocorre apenas com o frio destes dias mais cinzentos. Há ainda uma ausência mesma e sempre que não se deixa pronunciar. Nuances. Preciso brotar - como as flores da nova estação - dizer-te algo e quem sabe assim também dizer-me. Renascer talvez como todo novo ciclo e a cada instante. Na adega escolho um vinho especialmente reservado para os dias não muito amenos. Sirvo uma taça, observo sua cor, sinto os aromas e finalmente experimento o seu sabor revigorante e encorpado. Reflito agora sobre a vida e tudo o que permanece, além dos pequenos gestos e devaneios tantos que nem sempre nos tornam dignos de sermos considerados pessoas. Será apenas superfície? Súbito receio e esse tremor que mobiliza por que em certo sentido é em minhas entranhas que sinto. Saudades e até mesmo uma nostalgia do que não vivi é quem sabe o reflexo desse meu apaixonado desejo de dizer-te além. Outra vez pulsar um pouco mais do que sou capaz, talvez por esse meu anseio sempre pronto a espreitar a outra face - contínua e mesma - que também somos. Silêncio. Somente aí escuto os teus murmúrios e redescubro na vida esse algo ainda plausível em nós. E sinto os sinais a sondar este eu que ainda não é - plenitude - minha vida.  Escolho agora essa verdade e creio - apesar das indizíveis sombras com suas nuances nem sempre visíveis - pois sendo minha, ela é antes o meu possível. Resiliência afinal, como a primavera que novamente se mostra - aqui e no tempo - com as suas flores e revigorada urgência de futuro. E somente aqui, no aconchego da habitação, nos encontramos e vivemos todos: tu, eu mesma e o nosso inacabado esforço infinito. 
........

“A ironia, como um momento dominado, mostra-se em sua verdade justamente nisso:  que ela ensina a realizar a realidade, a colocar a ênfase adequada na realidade. Daqui não se segue, de jeito nenhum, a conclusão bem saintsimoniana de que se deva idolatrar a realidade, ou negar que há em cada homem, ou deveria haver, uma nostalgia por algo mais alto e mais perfeito. Mas esta nostalgia não pode esvaziar a realidade, muito pelo contrário, o conteúdo da vida tem de ser um verdadeiro e significativo momento numa realidade mais alta, cuja plenitude atrai a alma.” (Sören Kierkegaard, in: O Conceito de Ironia constantemente referido a Sócrates)

“Si nous voulons guérir le désespoir qu’est l’effet du blasement, nous devons nous simplifier et reprendre confiance dans la spontaneité du coeur.” (Jankélévitch, L’Ironie)


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Nostalgia

A outra face de mim quer o gozo nostálgico, 
desejo, 
de um tempo vivido, 
imaginado e esquecido, 
volatilizado 
desejo...
Indicação constante das alegrias supremas, 
aparentemente plenas,
o traço.
Nas dores indizíveis, 
necessárias perdas, 
o campo: 
desejo.
Horizonte agora é recompensa, 
o ganho: 
desejo, 
alhures endereçado.

.........

“O horizonte, a esfera do que é constante e envolve o homem, não é nenhuma parede que o cerca. Ao contrário, o horizonte aponta como tal para o que não foi fixado, para o que vem-a-ser e para o que pode vir a ser, para o possível.” (HEIDEGGER, p.446- Nietzsche)



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Impressões...



Um ano se passou e alguns poucos meses mais desde a tua partida para o sono infinito. Extremamente claro e tão palpável como alguns dos momentos tantos que vivenciamos juntas, esta noite sonhei contigo. Tu, agora, acordavas. Ainda sonolenta sorriste para o meu sonho. Não era um sorriso de contentamento, não; muito antes um sorriso doce e simples, ainda um tanto entorpecido. Tuas primeiras palavras: “não estou lembrada de nada”. Nada? (pensei) de que “nada” ela quer me falar? Quis perguntar, mas não esbocei palavra. Tu sorriste e assim permanecemos, por mais um instante, apenas nos olhando. Sorri para o teu dizer, retribuindo com afeto, o teu doce sorriso. Procurei, num gesto rápido, te colocar numa posição mais confortável na tentativa de encontrar, talvez, aquele teu jeito “com o braço sob a cabeça” como costumavas dormir. Mas havia ainda os teus lábios (tão secos agora) sedentos e urgentes, tão breves e efêmeros tal como todos somos. Água para beber, um sopro. Presença, escolhas tantas, um salto. Apenas alguns goles (pensei) para saciar a tua sede. Serena, agora, como convém aos mortais ou quem sabe ainda somente alhures, novamente sorriste para o meu sonho e voltaste a dormir o teu sono infinito... 


Esta noite sonhei contigo...  

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O silêncio é a intimidade.

"O que é tagarelar [conversar fiado]? É a abolição da distinção apaixonada entre o calar e o falar. Só quem é essencialmente capaz de calar é capaz de falar essencialmente; só quem é essencialmente capaz de calar, é capaz de agir de modo essencial. O silêncio é a intimidade.”

(Sören Kierkegaard)

E nesse silêncio, intimidade essencial...


domingo, 5 de agosto de 2012

Kierkegaard «avant la lettre»

Em minhas leituras últimas, atualmente “Os Conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo, Finitude e Solidão”, de Martin Heidegger, estou encontrando reflexões valiosas sobre o “ser do homem” e as possibilidades para uma existência que não apenas aquela que ele denomina “inautêntica”. Aqui é até possível brincar com a afirmação de que Kierkegaard, sem dúvida, leu Heidegger «avant la lettre», quero dizer, desconsiderando “Chronos” em seu aspecto cronológico/temporal.

Kierkegaard, em sua fina ironia, utiliza muito a expressão “palavrório” para distinguir o “dizer” apenas, do decisivo “agir” de fato. Heidegger trata, no sexto capítulo, da “inautenticidade” enquanto fuga do “instante” (como em Kierkegaard: sempre decisivo ao existente) e também da possibilidade de engajamento do ser-aí (sujeito) no mundo.
Aqui, portanto a proximidade nas reflexões:

[...] À medida que, para o entendimento vulgar, o que o ente é propriamente aponta para o que está simplesmente dado, ele não vê a autenticidade da existência senão no fato de a relação com a morte estar desde e sempre simplesmente dada em meio ao pensamento constante nela.
Já se considera desde o princípio nesta postura fundamental, da qual nenhum de nós tem o direito de se dizer livre, que o caráter fundamental da existência, do existir do homem, reside na “decisão”, mas que a decisão não é um estado simplesmente dado que eu tenho. Ao contrário, é ela que antes me tem. Todavia, a decisão enquanto tal sempre só é o que é enquanto “instante”, enquanto instante do agir real.” (HEIDEGGER, p. 338)

terça-feira, 12 de junho de 2012

Cansaço


Sinto cansaço, uma fadiga imensa do pensamento banal: esse mesmo que distrai vidas de si mesmas.

                  É diante da própria certeza que apontam o dedo:

O que atrapalha a vida é a diferença,
o outro.


É nessa perspectiva talvez,
                                             que o poeta,
                                              sem medo, diz:

“Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? (Fernando Pessoa, 1996).



É que esta “ausência”, irrefletido cotidiano é insistente e mesmo, sempre...
vidas abstratas,
 meramente egoísticas, convencidas de si mesmas,
mas alheias de si.

Será também por isso que segundo Kierkegaard “a diferença é um disfarce”? Para ele o retorno sobre si, quero dizer, olhar para si mesmo requer coragem, pois não acontece sem uma inicial tristeza consigo mesmo. Além do espanto, há agora uma certa lucidez que estremece...

e nas entranhas, 
somente clamor e murmúrio,“temor e tremor”.

 Depois, só o silêncio do nada que somos.

Eis então que surge a possibilidade:

"re-nascer"

                                           uma possibilidade.

Somos livres na mesma proporção em que também únicos responsáveis pelas próprias escolhas.