segunda-feira, 18 de julho de 2011

Frágil


Com frequência busco exercer a experiência de não apenas olhar para as coisas, mas sim de uma maneira atenta e conscienciosa ver um pouco além isso o que aparentemente se mostra.
Uma excelente oportunidade de praticar esse exercício e, talvez, uma possibilidade de cura também nossa, seria uma vez apenas visitar a emergência de um hospital. Estive recentemente visitando uma pessoa próxima em uma dessas alas de emergência e lembrei, ao entrar, de desencobrir os olhos meramente físicos, quero dizer, esses que conseguem ver somente a aparência daquilo que ainda não é diante disso que se mostra como real.
Então, com os olhos da alma, ou se preferir com uma pequena dose de empatia, experimentei agora olhar uma outra vez.
Todos aqueles que lá permanecem, estão nus. E essa nudez que vi não é a física, aquela dos aventais entreabertos que nos colocam nos hospitais, foi algo outro o que vi. Sem muito espanto, pois algumas questões “humanas” se apresentam tão “desumanas” que inevitavelmente oscilamos entre a tragédia e a comédia. A ironia consiste justamente no fato de que isso o que vi não está distante de cada um de nós; ausente talvez, pelo irrefletido em nós mesmos. Por outro lado, a tragicidade maior, me parece, é que continuamos apenas olhando, simplesmente nos recusamos ver, pois de algum modo sabemos isso que somente temendo e tremendo encontramos em nossa interioridade mesma. Qual foi minha percepção?
Sem exceção, todos estão desnudos de qualquer arrogância, libertos da presunção, despidos de qualquer orgulho, isentos de toda vaidade e empáfia. Estão nus como jamais estiveram e, no entanto, essa fragilidade mesma, vejam, é o que de fato verdadeiramente somos. Não sou, pois, esse olhar convencido que se reflete no espelho, a vaidade dos meus belos olhos verdes, castanhos ou negros... Não sou a ilusória ideia que tenho sobre as coisas tantas que faço, os objetos que adquiro e as quinquilharias que me parecem tão caras; ou ainda, o bem sucedido empresário que me tornei, talvez aquele influente político, o grande intelectual. Tudo isso é agora prosaico, tão sem importância, desnecessário. Assim despidos nada mais importa, senão a vida mesma. Todos ali submetidos estão sós, entregues a impotência própria, equilibrados nessa linha frágil e tênue que é a vida. A grande ironia é que, sem exceção, não estamos imunes.
Felizmente essa nudez que agora olho mais atentamente bem pode se tornar um amoroso antídoto para tudo o que ainda não é, pois diante do que sou “íntima, honesta e verdadeiramente” apenas o acolhimento basta. Acolhimento que no sentido mais próprio significa a possibilidade de Amor enquanto prática. O olhar meramente físico não basta. Enquanto olhamos e não vemos além do que está aí posto como real, não somos, estamos ainda cegos.
Acolhimento é retorno a nós mesmos, consciência também de nós, por nós próprios junto a esse outro que nos olha e demanda a acolhida mesma que necessitamos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Inversão

Inversão

Há aqueles que nada praticam, senão
o nervosismo próprio a alegar,
Enquanto o seu bocado outros fazem,
criticam, pois acreditam: "não posso me responsabilizar."

“In quo alterum iudicas te ipsum condemnas” (Rm 2,1). Tu te condenas a si próprio, naquilo que julgas o outro.

Máscaras

Máscaras

As tentativas sempre renovadas
De remover as máscaras alheias
O temor nos comprovam, a mancheias,
De termos nossas próprias arrancadas.
(Professor Nedel, 2009)


"O nosso mundo civilizado não passa de uma grande mascarada" (Shopenhauer, 1964).
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Complemento ainda, não sem a mesma ironia, com a seguinte citação:

"Nós deveríamos prestar atenção naquilo que a linguagem mesma nos expõe." (Heidegger)
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Referências:
NEDEL. José, A Curvatura da Razão: poemas, Edição do Autor, Porto Alegre, RS, 2009)


quarta-feira, 13 de julho de 2011

Für Elise: Ludwig van Beethoven



Sempre singular isso o que sentimos diante da sonoridade de uma melodia e os efeitos que ela pode nos proporcionar. Quão inatingível é a possibilidade de seu decifrar?
Experimente!
Feche os olhos, apenas sinta...
Conheça e desfrute do que ela proporciona e, uma vez apenas, tente decifrá-la...


A música parece mesmo como a compreendia Nietzsche:Dionisíaca, dissonância entre alegria e dor, prazer e desprazer...
Simultaneamente, sugere, atração e repulsa. Queremos ir além,plenitude...

Lugar outro que desejamos estar, permanecer, mas
assim como o gozo, sempre nos escapa.

Arrebatamento é também silêncio...

terça-feira, 12 de julho de 2011

Mario Quintana

“Se um poeta consegue expressar a sua infelicidade com toda a felicidade, como é que poderá ser infeliz?” (Mário Quintana)


... ao nosso querido e imortal poeta Mário Quintana...



A sabedoria é brincalhona, faz parecer tranquilo o que insistentemente nos acossa...


O Poeta diz sorrindo o que parece chorar.
Muito mais sobre o que é sério sugere, ao contrário, brincar.
Surpresa nossa, doce constatação:
encontrar em nós mesmos essa amorosa consolação.
(Gules/2011)

Isso mesmo que ele pensa a sério é também sua forma de ironizar.

sábado, 9 de julho de 2011

A la fois maître et victime

Felicidade é saber que não estou "necessariamente" feliz o tempo todo. E quando me perguntam se estou triste, simplesmente respondo: é que estou pensando...
No recolhimento a alegria mesma da solitude, a alegre tristeza de que é triste a alegria.


A la fois maître et victime de son faux mais passionnant destin, le joueur sourit de se voir ainsi à califourchon sur le mensonge et la vie, sur le secondaire et le primaire ; le coeur lui bat d’être du même coup metteur en scène ou spectateur désabusé d’un spetacle, et acteur passionné d’un drame !
[...] Et nous persistons à accorder à notre persone une promotion privilégiée, à faire en sa faveur une exception ; nous ne pouvons croire qu’elle soit un objet comme les outres. (Jankélévitch, p.57)
(Ao mesmo tempo mestre e vítima de seu falso, mas apaixonante destino o jogador sorri de ver-se assim a cavalo sobre a mentira e a vida, sobre o secundário e o primário; o coração bate de ser ao mesmo tempo diretor ou um espectador desiludido de um espetáculo, e ator apaixonado de um drama! [...] E persistimos em atribuir a nossa pessoa uma promoção privilegiada, a fazer em seu favor uma exceção; não podemos crer que seja objeto como os outros).

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A ironia sobre si


Quando considero a brevidade da existência dentro do pequeno parêntese do tempo e reflito sobre tudo o que está além de mim e depois de mim, enxergo minha pequenez. Quando considero que um dia tombarei no silêncio de um túmulo, tragado pela vastidão da existência, compreendo minhas extensas limitações e, ao deparar com elas, deixo de ser deus e liberto-me para ser apenas um ser humano. Saio da condição de centro do universo para ser apenas um andante nas trajetórias que desconheço... (Augusto Cury - O Vendedor de Sonhos).

L’ironie sur soi: [...] l’absence des choses qui ne son plus et l’absence des choses qui ne sont pas encore ; [...] L’ironie nous présente la glace où notre conscience se mirera tout à son aise : ou, si l’on préfère, elle renvoie à l’oreille de l’homme l’écho qui répercute le son de sa propre voix. Et ce miroir n’est pas ‘le sinistre miroir où la mégère se regarde’, mais le lucide, le sage miroir de l’introspection et de la self-connaissance. (Jankélévitch, p.36)

(A ironia sobre si: [...] a ausência das coisas que não são mais e a ausência das coisas que ainda não são; [...] A ironia apresenta-nos o gelo onde a nossa consciência mirar-se-á toda à vontade: ou, se prefere, retorna à orelha do homem o eco que reflete o som da sua própria voz. E este espelho não é `o sinistro espelho onde a megera se olha', mas o lúcido, o sensato espelho da introspecção e do auto-conhecimento).

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Reticências...


[...] Uma pessoa se recolhe, recupera-se da multidão pretensiosa que fala tagarela (como é expansiva!) ... e aprende devagar a reconhecer as poucas coisas em que perduram o que de eterno se pode amar e a solidão de que se pode tomar parte em silêncio." (Cartas a um Jovem Poeta; Rilke, p. 53).

La réticence, c’est Le discours expirant, le passage de l’explicite au tacite. [...] les points de suspension qui étranglent nos phrases représentent en quelque sorte la cicatrice laissée par les mots disparus. Le silence est donc une absence tandis que la réticence – c’est-à-dire la 'figure de silence' – semblable en cela aux passes et soupirs du discours musical, es une interruption expressive, une espèce de valeur sonore. (Jankélévitch, p.89)

(A reserva é o discurso que expira, a passagem do explícito ao tácito. [...] os pontos de suspensão que estrangulam as nossas frases representam de certa forma as cicatrizes deixadas pelas palavras desaparecidas. O silêncio é, pois, uma ausência, enquanto a reserva - ou seja, “a figura de silêncio” - semelhante às passagens e suspiros do discurso musical, é uma expressiva interrupção, uma espécie de valor sonoro).

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Desejo inominável II


Desconhecer o verdadeiro lugar de onde falo é antes o que me parece mover, mesmo que eu ainda não saiba.
Isso que em mim parece permanente é do mesmo modo o que sempre e a cada vez mais me escapa. Já não sei dizer o que penso saber e o que digo não se deixa representar. Uma certa ausência em mim, uma falta, divisão que recuso suprimir, pois em certo sentido a amo.
Por isso, inevitavelmente continuo dizendo, buscando e persistindo nesse desconhecido que me ultrapassa e que sugere ser “outro lugar” o meu próprio impossível.


[...]L’ironie, c’est l’inquiétude et La vie inconfortable.” [...] L’ironie proteste contre le rationalisme statique et rend hommage à la temporalité de la vie. (...) en somme, sauve ce qui peut être sauvé. La sagesse commence au point précis où le cynisme de l’analyse ne nous gâte plus le plaisir ingénu de la synthèse.[...] l’ironiste fait faire par l’autre tout ce que l’autre peut faire de lui-même. (L'IRONIE, Jankélévitch).

terça-feira, 5 de julho de 2011

A possibilidade: aproximação


Intuir sobre o incomensurável que há em mim é sem dúvida o primeiro passo para a aproximação. Heráclito, em seu recolhimento próprio, soube bem apontar para o limite do Lógos. Em seu fragmento 45, que recebeu leitura e tradução de Heidegger, diz: “Ainda que tu percorras todo caminho, não poderás mais encontrar em teu curso os confins extremos da alma; tão vasto pousar/colheita/leitura (recolhimento) ela tem.
Em Heidegger encontramos uma poética explicitação da relação entre a consciência de si e a angústia sobre a realidade e a “verdade” do ser:


Compreender o ser quer dizer compreender o ‘fundamento’. Com-preender quer dizer aqui ‘ser compreendido no ser pelo ser’. Compreender significa a cada vez aqui mutação de humanidade a partir de sua relação essencial com o ser, mas primeiro que isto, a disponibilidade para esta mutação, mas antes a preparação desta disponibilidade, mas antes, a atenção para esta preparação e antes a incitação a uma tal preparação e antes um primeiro recolhimento no ser (GA 51,93).


A aproximação não está em outro lugar senão na temporalidade, isto é, em minhas próprias vivências, intimamente ligadas a linguagem e as limitações que tenho de enunciação sobre o que seja a “verdade”. Da cura, caminho que é único, porém sempre rasgado, dividido por uma diferença que interpela e atravessa meu ser, sigo agora somente em preparação. Sou travessia. Qual o antídoto? O futuro, esse desconhecido que, assim como a angústia, ainda é nada diante da “possibilidade”. Essa diferença que não dou conta e que me lança alhures é também o sopro mesmo que inspira, a fonte de apropriação e sentido. E eis que abandonada a certeza da certeza, essa que ainda é desespero, me lanço agora para os braços do possível.

L’ironie regarde ailleurs. (...) "Si nous voulons guérir le désespoir qu’est l’effet du blasement, nous devons nous simplifier et reprendre confiance das la spontaneité du coeur." (Jankélevitch, p.183)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fogo: uma expressão do desejo.


Dos deuses tu foste arrebatado,
Ocultaram isso que não mais se mostra:
serenidade,

alegria e ainda sorrisos.
Nas cinzas há também a chama,

potência...
Entusiasmada energia,
apaixonado habitar.
Quisera estar aí,

intensa...
vida consumida, desgastada,
inebriante fluidez.
Eis aí o devir: mutante,
renovado desejo.
Desmedida esperança,
sou fênix...

alhures endereçada.